Futebol feminino

25 junho 2025, 19h20

Filipa Patão

Filipa Patão

ENTREVISTA

Filipa Patão prepara-se para um novo desafio – transfere-se para o Boston Legacy FC, dos Estados Unidos da América –, mas não esquece a "longa caminhada" de águia ao peito. Em entrevista à BTV, a treinadora pentacampeã nacional abordou todo o percurso pelo seu clube de coração: "Vou levar o Benfica comigo. Se hoje sou a treinadora que sou, se hoje sou a pessoa que sou, muito devo ao Benfica."

O NOVO DESAFIO

"Foi uma longa caminhada, com muita felicidade e muito sucesso, mas o que me leva a abraçar esta nova aventura é mesmo uma questão de desafio. Sinto que preciso de me desafiar, preciso de um novo contexto. Acho que foi um ciclo muito bonito no Benfica, mas já era tempo de o fechar para bem de ambos. É necessário e faz parte dos ciclos e dos grupos de trabalho reinventarem-se. E estamos a falar de uma liga como a dos Estados Unidos, talvez das melhores do mundo, e senti que era necessário agarrar esta oportunidade para perceber a que nível estou, e o que consigo fazer num contexto diferente. E acho que esse foi um dos maiores motivos, e depois também tive a oportunidade de dizer às jogadoras que eu não seria eu, e estaria a ser hipócrita em relação ao que lhes passei, que foi nunca se sentirem confortáveis, desafiarem- -se ao longo do tempo, quererem ser sempre melhores."

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O DESENVOLVIMENTO DO FUTEBOL FEMININO COM OS GRANDES

"Era expectável que pudesse acontecer pelo poderio dos clubes grandes, pelo investimento, pelos orçamentos. Foi notório que, desde a entrada dos grandes, o crescimento do futebol feminino em Portugal explodiu, foi um boom muito grande, e acho que ainda tem muita margem para continuar a crescer."

ANOS MARAVILHOSOS

"Não fazia ideia que ao dia de hoje estaria aqui a despedir-me do Benfica depois de 16 anos. Foram 16 anos maravilhosos, e eu arrisco-me a dizer que foi a história mais bonita que escrevi na minha vida. Comecei nas escolas de futebol do Benfica por volta dos 17/18 anos. Foi o professor António Fonte Santa que me recebeu, e por isso é que eu faço questão de falar constantemente nele, porque foi ele que me abriu as portas e foi ele que me ensinou tudo. Quando surgiu o convite para abraçar a formação feminina, comecei com as sub-15, depois tive as sub-17, passei a ser coordenadora enquanto estava com as sub-19, até passar pela equipa B. Estamos a falar de um longo percurso, que acaba por culminar com esse convite para a equipa A do Benfica, que me deixou muito satisfeita, e foi uma honra."

Filipa Patão

"O Clube deu-me muito ao longo do tempo. Deixou-me sempre confortável para trabalhar e para estar dentro do processo, que é importante para qualquer treinador"

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O LEMA "AMA O BENFICA, E NADA TE FALTARÁ"

"O próprio plantel do Benfica já tinha muitas pessoas, muitas jogadoras que realmente viviam o Clube. E depois foi aquilo que também já trazia da formação, que foi fazê-las perceber que era necessário ter uma identidade muito forte, muito vincada, que fosse uma identidade de Clube. E essa identidade não pode ser feita apenas com palavras, mas é aquilo que nós conseguimos passar dentro do campo. Foi muito fácil agarrar o plantel nesse sentido, porque já era um plantel com um perfil e uma identidade muito vincada ao Clube. Foi simplesmente dar continuidade a isso, e elas perceberem a camisola que representam, não só a pressão, mas a responsabilidade que acarreta vestir esta camisola, e associar isso ao desenvolvimento do futebol feminino. Todas elas poderiam ficar para a história e marcarem a diferença dentro do Clube e dentro do contexto de Portugal e depois também lá fora, mais tarde. Portanto, a dinâmica foi muito fácil de integrar."

OS RESULTADOS DE EXCELÊNCIA

"O sucesso dá muito trabalho. Requer uma grande capacidade de trabalho, de espírito de sacrifício, de resiliência e de desafio constante. Não nos conformarmos com aquilo que já conquistámos. Queremos continuar a conquistar, queremos continuar a ser melhores e todos os anos tentar fazer algo diferente e algo melhor. O dia em que adormecermos é o dia em que alguém nos passa à frente, e isso não pode acontecer."

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CRITÉRIOS PARA AS ALTERAÇÕES TÁTICAS

"Dependia muito das jogadoras, daquilo que é o contexto que temos, daquilo que o próprio contexto internacional pede, e essas alterações foram sempre com base em poder retirar o melhor das jogadoras e o melhor da equipa. Tivemos de ter posturas diferentes na Liga dos Campeões e no Campeonato, principalmente no início, porque vimos o Benfica muito mais retraído, e a jogar em transição, porque ainda não nos sentíamos confortáveis e habituadas a fazer outra coisa pelo contexto competitivo. A partir do momento em que começámos a evoluir dentro do contexto, começámos a ver um Benfica a abordar qualquer adversário como faz em termos nacionais. Nós jogávamos com o Barcelona e com o Lyon olhos nos olhos e a pressionar alto, como sempre gostamos de fazer. E foi isso que fomos fazendo ao longo do tempo, sentíamos que a equipa estava preparada para dar mais um passo. Pode dizer-se que nós jogamos em vários sistemas dentro do próprio jogo. A nossa grande ambição foi sempre desenvolver a jogadora o mais possível individualmente para nos poder dar um processo coletivo mais rico. Foi isso que nos foi dando mais sucesso a médio e longo prazo."

RECRIAR A IDEIA DE JOGO NO PÓS-CLOÉ LACASSE E KIKA NAZARETH

"Claro que todas as equipas têm referências individuais. É pegar nos perfis e tentar perceber como pode dar sucesso. Saímos do 4×4×2 losango para dar mais preponderância e dimensão ao nosso jogo com a Cloé, e o 4×4×2 losango não lhe retirava tanto aquilo em que era mais forte. Depois, tivemos de transformar as coisas um bocadinho, mantivemos o nosso losango em 3×4×3 com a Ana Vitória e depois com a Kika, a 10. Formámos aqui um bocado um sistema que não vem nos livros, que é um 3×4×3 losango, e fizemos uma época fenomenal. Sai a Cloé, e tivemos de dar preponderância a outras jogadoras, mas acima de tudo começar a fazer crescer ainda mais o coletivo. Apareceu a Kika e assumiu um papel muito importante, tal como a Lúcia. Com a saída da Kika, acabámos novamente por ter de nos reestruturar, e valorizar o coletivo."

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RETRATO DAS PENTACAMPEÃS POR INTEIRO

Catarina Amado – "É o puro bom ambiente, é uma jogadora que traz uma alegria muito grande ao treino, sempre com um sorriso na cara, extremamente cativante, e acaba por puxar muito a energia positiva dentro do balneário e do grupo."

Carole Costa – "A eterna chata, como lhe costumo chamar. Temos uma relação muito engraçada, porque somos aquele cão e gato constante. Sempre deu muito, e é também a eterna descontente, mas num bom sentido, porque é muito ambiciosa, e por isso é que nos damos muito bem. Quer sempre ganhar, e quer sempre mais. Tendo a idade que tem, não se remete ao conforto, e quer sempre conquistar mais."

Lúcia Alves – "É a raça em pessoa, o tamanho não está adequado à qualidade, à alma e à raça que esta jovem tem. É uma jogadora que tem uma grande ligação, e diria que a alma dela não tem fim, e por isso mesmo é que representa tão bem este clube."

Andreia Faria – "O pequeno génio, às vezes, não confia tanto nela própria, mas tem um talento muito grande, percebe o jogo como ninguém, percebe os espaços como ninguém."

Christy Ucheibe – "É a força, a dedicação e a protetora, porque nunca mais esqueço, num momento difícil, ela dizer-me, em inglês, 'não se preocupe, míster, eu protejo-a'. Ela protege toda a gente."

Pauleta – "É a minha personificação em campo. É a jogadora que consegue passar dentro do campo aquilo que é a minha mensagem a todos os níveis. É a nossa capitã, após a saída da Sílvia."

Nycole Raysla – "Costumam dizer que a Nycole é uma das minhas filhas. A Nycole, às vezes, não é tão valorizada quanto a qualidade que tem. E neste ano foi muito importante no nosso trajeto, com as ausências que tivemos. Diria que a Nycole é irreverência, é muito criativa, com muita qualidade. Só tem de ter mais coragem dentro do campo."

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O DIA MAIS ESPECIAL NOS 5 ANOS DO PENTA

"Foi o segundo jogo com o Lyon [nos quartos de final da Champions League feminina]. Perdemos, fomos eliminados, mas a sensação, a aura, a energia da equipa naquele momento era de uma equipa grande da Europa que estava completamente frustrada de não ter conseguido passar. E chegar aos quartos de final, em tão pouco tempo e sentir que o grupo de trabalho acreditava que era possível passar às meias-finais, mesmo que estivéssemos a jogar com o Lyon, foi mesmo muito marcante e virou um bocadinho a página daquilo que era o pensamento das equipas portuguesas. Perdemos, mas ganhámos muitas outras coisas muito mais importantes para o futuro."

O DIA MAIS DIFÍCIL

"O mais difícil, o que me tirou o sono, e eu raramente perco o sono, foi o 5-1 em Alcochete, com o Sporting [26/09/2021], porque eu também sou benfiquista e sei o que acarreta um resultado desses contra o nosso eterno rival. E foram momentos muito difíceis depois desse jogo. Custou mesmo muito ter passado por aquele momento e não ter conseguido fazer nada para evitar um resultado que eu sei que para os sócios, para o Benfica, é um resultado muito difícil de digerir."

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A RELAÇÃO COM A ESTRUTURA

"Foi sempre muito boa, e isso é uma das coisas que eu tenho de agradecer. O Clube deu-me muito ao longo do tempo. Deixou-me sempre confortável para trabalhar e para estar dentro do processo, que é importante para qualquer treinador. Dar tempo ao processo, dar tempo ao trabalho. Senti sempre o apoio de toda a estrutura, vice-presidente, presidente… Sempre senti o apoio de toda a gente, e isso também me deixou muito confortável para trabalhar. Só posso agradecer ao Benfica por tudo aquilo que me deu, pelas condições, pela aposta. Não é fácil apostar numa treinadora que nunca tinha assumido uma equipa profissional, eu só tenho coisas boas a dizer e a agradecer de toda uma estrutura, e principalmente da estrutura de trabalho que tive ao longo do tempo. Construímos uma relação muito boa, muito positiva. Saio daqui de coração cheio."

CONVERSA MARCANTE

"Acho que a conversa mais difícil, ou a que mais me marcou, acaba por ser a conversa da minha saída, neste caso com o vice-presidente Fernando Tavares e com a estrutura. Foi uma conversa muito difícil e vai ficar-me marcada, porque foi o dizer em voz alta uma coisa que eu sabia que ia ser muito difícil, que era sair desta casa, mas com a forte convicção de que era o melhor para mim e para o Benfica. Foi uma conversa sincera, honesta e uma conversa em que acabámos por falar do passado, e só posso agradecer ao Benfica a forma como lidou com todo o processo, a tranquilidade com que negociou com o clube a minha saída e não me fechou as portas. Por isso mesmo, serei eternamente grata no Benfica. Até na saída, o Benfica foi o melhor que eu possa ter tido."

Filipa Patão

"Quando se nasce Benfica percebe-se a responsabilidade que acarreta vestir uma camisola do Benfica e trabalhar para o Benfica. Vou levar o Benfica comigo"

AS ESPECIFICIDADES DE LIDERAR O BALNEÁRIO

"Elas são muito mais emocionais, muito mais preocupadas com o pormenor, e muitas das vezes ficam a matutar nas coisas. Não é fácil liderar um balneário de mulheres, mas é talvez das coisas mais gratificantes que um treinador pode ter, porque é constantemente desafiado. Cresci muito, desenvolvi-me muito enquanto treinadora e principalmente enquanto pessoa porque lidei com pessoas extraordinárias, atletas, staff. É este tipo de sensibilidade que é importante ter dentro do futebol feminino: a sensibilidade de perceber que temos de realmente olhar para elas no seu todo e temos de nos preocupar com a forma como elas estão, e acima de tudo ser transparentes, honestos e sinceros naquilo que queremos para a equipa, e estar lá quando é preciso."

A APOSTA DO BENFICA NO FEMININO

"O trabalho que foi feito ao longo do tempo, desde a formação até à equipa A, foi extraordinário em pouco tempo, e em todas as modalidades. O Benfica é uma casa que aposta muito no feminino, que aposta muito na versatilidade e no género, ou seja, interessa é ter futebol. Não interessa se é feminino, se é masculino. É este tipo de cultura e de mentalidade que tem de continuar a ser construída e fomentada dentro do Benfica. Porque sinto que, apesar desta aposta do Clube, os adeptos ainda não correspondem no sentido massivo de irem em grande escala aos jogos de futebol feminino, aos jogos de basquetebol feminino, aos jogos de voleibol feminino. E eu acho que é o passo que falta dar dentro do clube. O Benfica tem toda a capacidade de o fazer, porque tem uma massa associativa gigante e tem uma paixão gigante pelas suas equipas."

Filipa Patão

COMPETITIVIDADE NA LIGA E CRESCIMENTO DA SELEÇÃO

"É benéfica porque obriga-nos a ser melhores e obriga-nos a desenvolver. O facto de as jogadoras do Benfica evoluírem obriga, por exemplo, as jogadoras do Sporting e do SC Braga a evoluírem. E a seleção só tem a ganhar que todas as jogadoras que estão inseridas dentro do nosso contexto e do contexto da Liga BPI estejam cada vez melhores."

O LADO PESSOAL

"Eu sou uma pessoa muito descontraída. Prezo muito a família, o meu sossego, o meu espaço. Adoro praia, paz, amigos. Sou uma pessoa muito divertida no contexto pessoal, muito enérgica."

DESAFIOS FUTUROS

"Sobreviver ao ir embora, porque não é só do Benfica, é de Portugal. Tenho a certeza de que o futebol feminino do Benfica vai continuar a ter muito sucesso e que o próximo treinador possa trazer uma hegemonia tão grande como se conseguiu até agora, e tenho a certeza de que isso vai acontecer. Desejo o melhor às minhas atletas, ao staff, a toda a estrutura. Da minha parte, tenho a certeza de que não é um adeus, é um até já. Porque bom filho a casa torna, e eu tenho um amor muito grande, não só a Portugal, mas ao Benfica. Serei sempre uma de vós."

DIZER ADEUS

"É muito difícil dizer adeus. Fica dedicação, paixão, compromisso, respeito, amor, solidariedade. Trabalho. Quando se nasce Benfica percebe-se a responsabilidade que acarreta vestir uma camisola do Benfica e trabalhar para o Benfica. Vou levar o Benfica comigo, vou levar este projeto comigo e tenho a certeza de que também serei feliz lá fora. Se hoje sou a treinadora que sou, se hoje sou a pessoa que sou, muito devo ao Benfica."

Texto: Redação
Fotos: Arquivo / SL Benfica
Última atualização: 26 de junho de 2025

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